Desligamentos das redes elétricas: quais os limites razoáveis?
No dia 11 de outubro de 2024 na região Metropolitana de São Paulo, com ventos que ultrapassaram 100 km por hora, mais de 3 milhões de consumidores ficaram sem energia elétrica, alguns por dezenas de horas com interrupção dos serviços.
Essa interrupção pode ser atribuída a um evento climático extremo? Seria inoperância da concessionária em realizar a poda de árvores junto às redes elétricas? Ou esta responsabilidade deveria ser atribuída ao poder público municipal?
Este evento foi objeto de grande controvérsia e debates entre a ANEEL, Poderes públicos do Estado de São Paulo e a distribuidora local. Passado algum tempo o tema caiu em esquecimento até que um próximo evento venha aborrecer os consumidores. O verão é sempre um período propício para novas quedas de árvores e interrupções no fornecimento.
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Regulação e Qualidade no Fornecimento de Energia Elétrica
O fornecimento de energia elétrica, como sabemos, é um serviço extremamente regulado. A qualidade é aferida por indicadores de continuidade (duração e frequência de desligamentos) e da disponibilidade de serviços de suporte ao consumidor: call centers, escritórios de atendimento e web services.
A regulação dos padrões de qualidade, tal como desenhada, exige uma performance que limita os desligamentos, mas permite uma série de excludentes de responsabilidades eliminando interrupções decorrentes de eventos excepcionais, ou até de eventos elétricos que ocorrem em redes de transmissão a princípio fora do controle das concessionárias de distribuição.
Princípios Modernos e a Realidade Brasileira
Os princípios modernos para a construção da regulação de serviços públicos apontam para a elaboração de regras claras e de fácil entendimento da sociedade em geral. Devem ainda evitar que existam dúvidas sobre a responsabilidade da qualidade do serviço fornecido.
Parece que no Brasil, estamos distantes desses princípios.
Vejamos a título de exemplo algumas das definições regulatórias que caracterizam situações excepcionais e, portanto, fora da responsabilidade da prestadora do serviço:
- Dia Crítico: dia em que a quantidade de ocorrências emergenciais, excluídas as classificadas como ISE, em um determinado conjunto de unidades consumidoras, superar a média acrescida de três desvios padrões dos valores diários. A média e o desvio padrão a serem usados serão os relativos aos 24 meses anteriores ao ano em curso, incluindo os dias críticos já identificados.
- Interrupção em Situação de Emergência – ISE: interrupção originada no sistema de distribuição, resultante de Evento que comprovadamente impossibilite a atuação imediata da distribuidora e que não tenha sido por ela provocada ou agravada e que seja:
- decorrente de Evento associado a Decreto de Declaração de Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública emitido por órgão competente;
- ou decorrente de Evento cuja soma do CHI das interrupções ocorridas no sistema de distribuição seja superior ao CHI limite da distribuidora, calculado conforme equação a seguir: 𝐶𝐻𝐼𝑙𝑖𝑚=2,612 𝑁0,35
Onde N corresponde ao número de unidades faturadas e atendidas em BT e MT do mês de outubro do ano anterior ao período de apuração.
A Complexidade no Monitoramento da Qualidade
Parece que o poder público (Agência Reguladora, Ministério Público, Justiça do consumidor, etc), para medir a qualidade da prestação dos serviços, depende de informações com elevado grau de tecnicidade, de difícil compreensão pelos consumidores, e que dependem de informações da própria distribuidora que está sendo fiscalizada.
Mudanças Climáticas e Desafios para a Infraestrutura
Considerando-se que há indicações de Mudanças Climáticas que irão trazer novos desafios para a infraestrutura de distribuição, há que se perguntar se não seria mais eficiente e mais transparente a definição da quantidade e um limite fixo de horas de interrupção de fornecimento.
Esses indicadores já considerariam os parâmetros técnicos e seus fatos geradores, incluindo as situações extremas, interrupções usuais e manutenções programadas. Naturalmente, esses indicadores seriam recalculados anualmente, com metas para melhorias.
Proposta de Simplificação e Transparência
Com esse critério simplificamos o acompanhamento da qualidade da prestação do serviço, com maior transparência para toda sociedade. O regramento seria simplesmente:
- Número de horas com desligamento < K1 (horas)
- Número de ocorrências < K2 (ocorrências)
Para definir tais limites dever-se-ia compor estudos detalhados, análises estatísticas refinadas, testes e exposição de resultados em audiências públicas para avaliação da sociedade e especialistas.
Esta nota técnica foi desenvolvida por Fernando Amaral de Almeida Prado Junior, especialista, e Carlos Alberto Schoeps, CEO da Replace Consultoria.