Não intermitência no fornecimento de energia faz ressurgir as nucleares
Abel Hotz e Carlos Alberto Schoeps
A geração de energia nuclear deve alcançar um recorde este ano, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). O setor nuclear vive um renascimento após um longo período de rejeição, especialmente depois dos acidentes de Chernobyl e Fukushima. No entanto, a construção de novos reatores está concentrada principalmente em países asiáticos, com destaque para a China, enquanto no Ocidente predominam debates, incertezas regulatórias e expectativas sem a mesma intensidade de investimentos em novas usinas comerciais de grande porte.
A AIE projeta que, até 2035, a capacidade de geração nuclear aumentará em cerca de um terço, com novas tecnologias – como os pequenos reatores modulares (SMR) – oferecendo perspectivas ainda mais favoráveis. Esse avanço é impulsionado pela necessidade de atender ao aumento da demanda elétrica com uma fonte de geração firme, previsível e de baixas emissões. O crescimento da frota de carros elétricos, o uso intensivo de inteligência artificial, a digitalização da economia e o atendimento a uma população global em expansão elevam de forma estrutural a demanda por eletricidade e reforçam o papel estratégico da energia nuclear na matriz energética.
Nesse contexto, torna-se cada vez mais evidente que o Ocidente precisa acelerar investimentos em energia nuclear se quiser acompanhar a disputa global pela liderança em inteligência artificial e computação de alta performance. Data centers, modelos de IA e aplicações avançadas exigem fornecimento contínuo de energia, com alta confiabilidade e baixa pegada de carbono. Países que conseguirem combinar renováveis, nuclear e armazenamento em larga escala tendem a oferecer energia competitiva e segura para a nova economia digital, reduzindo riscos de volatilidade de preços e de dependência de combustíveis fósseis.
Atualmente, há 63 reatores em construção no mundo, número superior ao observado em 2020, mas ainda distante do pico de 234 verificado no fim da década de 1970. A China lidera esse movimento, com 32 reatores em construção, seguida pela Rússia e pela Índia. No Ocidente, governos têm hesitado em financiar novos projetos nucleares, pressionados por restrições orçamentárias, prioridades concorrentes e objeções de parte da opinião pública. Como resultado, o ritmo de expansão nuclear é bem mais lento nas economias desenvolvidas.
No Ocidente, apenas três reatores estão em construção, todos na Europa, e nenhum nos Estados Unidos, que ainda detém o maior parque nuclear em operação. Esse quadro reflete a aversão do capital privado em investir em energia nuclear, uma vez que a maioria das usinas existentes foi financiada por empresas estatais ou modelos fortemente amparados pelo Estado. O financiamento de novos projetos nucleares é especialmente desafiador devido aos altos custos de capital, à complexidade técnica e regulatória e aos longos prazos de construção e retorno do investimento.
O processo de licenciamento de usinas nucleares também tende a ser mais complexo e demorado no Ocidente, o que desestimula investidores privados. Além disso, os modelos de mercado mais liberalizados tornam os projetos mais arriscados, sobretudo quando comparados a sistemas asiáticos em que empresas estatais assumem e diluem parte relevante dos riscos associados à energia nuclear. Essa diferença de desenho institucional ajuda a explicar por que países asiáticos conseguem avançar mais rapidamente em novos projetos.
A oposição histórica à energia nuclear no Ocidente, alimentada por acidentes passados, ainda influencia a percepção pública e o ambiente político. Entretanto, a necessidade crescente de fontes de energia de baixo carbono e não poluentes vem alterando gradualmente essa rejeição. A administração dos Estados Unidos, por exemplo, tem buscado promover a energia nuclear por meio da aceleração de processos de licenciamento, da revisão de marcos regulatórios e do incentivo ao desenvolvimento de reatores de quarta geração, mais seguros e eficientes.
Na Europa, alguns países estão revisitando suas políticas de desligamento de usinas nucleares e há um movimento para estruturar subsídios e mecanismos de suporte à geração nuclear. A AIE destaca que parcerias com grandes empresas de tecnologia podem transformar o cenário da energia nuclear no Ocidente, já que essas companhias buscam fontes de energia seguras, estáveis, firmando contratos de longo prazo com usinas nucleares para garantir suprimento competitivo.
A instabilidade geopolítica global também contribui para o retorno do interesse na energia nuclear, à medida que países com poucos recursos energéticos próprios buscam reduzir a dependência de importações de combustíveis fósseis. O Japão é um exemplo emblemático: o país avalia reativar parte de seu parque nuclear desligado após Fukushima, como forma de fortalecer a segurança energética e mitigar a exposição a choques externos de oferta e preço de energia.