Critérios internacionais ajudam sobre classificação de gasoduto
Carlos Schoeps
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) concluiu a Consulta Pública 01/2025 e a Audiência Pública 01/2025 sobre a minuta de resolução que trata dos critérios de classificação de gasodutos de transporte, com base em diretrizes técnicas e limites físicos dos ativos. Essa iniciativa está diretamente ancorada na Nova Lei do Gás (Lei 14.134/21), que atribui à ANP, no art. 7º, inciso VI, a competência para definir esses critérios, e na própria Constituição Federal, que estabelece o monopólio da União sobre o transporte de gás. Ao abrir o debate regulatório, a ANP cumpre seu papel legal e constitucional e responde a um tema sensível para o mercado brasileiro de gás natural, marcado por controvérsias e disputas sobre a classificação de dutos.
O elevado interesse no tema ficou evidente: a consulta pública recebeu contribuições de 60 participantes – incluindo distribuidoras, transportadoras, associações, consultorias, consumidores e autoridades – e a audiência pública precisou ser realizada em duas datas para ouvir 37 expositores. Essa mobilização reflete a ausência, até aqui, de parâmetros objetivos para a classificação de gasodutos de transporte, situação que tem alimentado conflitos jurisdicionais entre ANP e agências reguladoras estaduais, gerando insegurança jurídica, divergências técnicas, adiamento de investimentos e ameaças à integração do mercado de gás, um dos pilares pretendidos pelos marcos legais recentes do setor.
Antecipando essa agenda regulatória, o ACENDE BRASIL desenvolveu e concluiu um estudo de benchmark internacional sobre critérios de classificação de gasodutos de transporte e distribuição, analisando a legislação e os marcos regulatórios da União Europeia, Espanha, França, Itália, Portugal, Reino Unido, Argentina e Estados Unidos. O estudo buscou identificar denominadores comuns e diferenças de critério, sempre considerando não apenas parâmetros físicos (pressão, diâmetro, extensão), mas também o contexto histórico e funcional em que esses critérios se aplicam. Constatamos recorrência de critérios qualitativo-funcionais relacionados ao papel dos dutos na rede (conexão de fontes de suprimento x conexão de usuários finais) e tendências claras nos critérios quantitativos-físicos adotados internacionalmente.
Do ponto de vista técnico, os resultados do benchmark indicam que a minuta de resolução da ANP está, em grande medida, alinhada às tendências internacionais: (i) a extensão do gasoduto é pouco relevante para caracterizar dutos de transporte; (ii) poucos países usam o diâmetro como critério central, e a minuta da ANP propõe limites diferenciados conforme a
finalidade do duto; e (iii) a pressão se destaca como parâmetro mais importante, com muitos países adotando faixas entre 7 e 20 bar, enquanto a minuta da ANP propõe classificar como transporte todos os gasodutos acima de 36,5 bar, independentemente da finalidade. Além disso, reguladores estrangeiros reforçam que a função do gasoduto é essencial: transporte conecta fontes de suprimento; distribuição conecta usuários finais – distinção crítica para garantir segurança de abastecimento, competição e desenho adequado de mercado.
Como contribuição técnica ao debate, o estudo ACENDE BRASIL apoia a ANP na construção de um modelo claro e coerente de classificação de gasodutos, preservando os princípios concebidos pelo legislador brasileiro e favorecendo quatro objetivos interdependentes: (1) manter a competência exclusiva da União sobre o transporte de gás, evitando conflitos federativos; (2) otimizar a eficiência operacional e econômica das redes de transporte e distribuição; (3) promover a integração do mercado de gás com acesso equitativo à infraestrutura; e (4) preservar a integridade da malha de transporte, evitando impactos tarifários adversos e assegurando previsibilidade regulatória. Para empresas, investidores e formuladores de políticas, contar com consultoria especializada em regulação do gás natural é fundamental para interpretar esse novo arcabouço, mitigar riscos e capturar oportunidades em um mercado em processo de reorganização estrutural.