Leilão de baterias
Abel Hotz e Carlos Alberto Schoeps
O Ministério de Minas e Energia (MME) reabriu a consulta pública do leilão de baterias de armazenamento de energia, previsto para abril de 2026, com mudanças relevantes no desenho técnico e regulatório. A análise da proposta anterior havia sido suspensa por questões judiciais, mas agora retorna com uma diretriz clara: garantir que as baterias entreguem estabilidade real ao sistema elétrico, e não apenas potência instalada no papel. Trata-se de um leilão de reserva de capacidade, voltado a atender picos de demanda e momentos críticos do Sistema Interligado Nacional (SIN), em competição direta com usinas térmicas e hidrelétricas.
Pelos novos critérios, as baterias terão contratos de 10 anos indexados ao IPCA, e uma receita fixa anual que cobre investimento, operação, manutenção e descomissionamento. Do ponto de vista técnico, o edital exige eficiência mínima de 85% (roundtrip), operação autônoma (sem depender de outras fontes), potência mínima de 30 MW por projeto, capacidade de operar por 4 horas contínuas e recarga completa em até 6 horas. Há ainda um bônus de 10% de receita para projetos em pontos estratégicos do sistema definidos pela EPE e pelo ONS. O risco de transmissão passa a ser do empreendedor e o licenciamento ambiental fica para depois da habilitação, o que tende a selecionar agentes mais estruturados.
Embora a receita seja possivelmente paga pelos geradores, o impacto econômico final recai sobre os consumidores, via tarifas e encargos do setor elétrico ou pelo preço de energia. Em leilões de reserva de capacidade, o custo da contratação é socializado entre consumidores regulados (cativos) e, indiretamente, também influencia os preços de longo na conta de risco e custo de oportunidade dos agentes. Em outras palavras: a origem do recurso é a conta de luz dos consumidores, seja na forma de encargos específicos, seja embutido em contratos de energia mais caros ao longo do tempo.
A competição de baterias com térmicas e hidrelétricas, se não for bem calibrada, pode reduzir a demanda contratada de armazenamento e, ao mesmo tempo, manter custos sistêmicos elevados atrelados a fontes fósseis mais caras. Por outro lado, se o desenho regulatório valorizar corretamente os atributos das baterias — como resposta rápida, redução de picos, alívio de redes congestionadas e suporte à integração de renováveis — elas podem ajudar a reduzir o uso de térmicas caras e, no médio prazo, aliviar parte da pressão sobre as tarifas. O desafio é equilibrar o nível de receita fixa necessário para viabilizar os projetos com a capacidade de pagamento dos consumidores, evitando que o leilão se transforme em mais um encargo relevante sem benefício proporcional em segurança e modicidade tarifária.
Do lado da cadeia produtiva, o leilão de baterias pode fortalecer a ainda incipiente indústria de armazenamento de energia no Brasil, atraindo fabricantes e integradores como UCB, WEG e outros. A crítica de que contratos de 10 anos são curtos frente ao potencial de operação técnica dos sistemas de armazenamento reflete diretamente em custo: quanto menor o prazo de contrato, maior precisa ser a remuneração anual (R$/kW-ano) para fechar a conta, o que de novo repercute na tarifa. A retirada da exigência de conteúdo local pela MP 1.304 reduz barreiras para equipamentos importados, especialmente de fabricantes chineses, o que tende a diminuir o CAPEX, mas pode aumentar a dependência externa e acirrar a competição. Para os consumidores, o ponto central é acompanhar como esses fatores serão incorporados no edital: quem paga a conta é sempre o usuário final, e o desenho desse leilão será decisivo para definir se o armazenamento por baterias será um vetor de custo adicional ou um instrumento de otimização da operação do sistema e mitigação de aumentos futuros na conta de luz.