OS INSTRUMENTOS DO ONS PARA COMANDAR A MMGD
A recente declaração do Diretor-Geral da ANEEL, de que o ONS disporia de instrumentos legais para desligar instalações de micro e minigeração distribuída (MMGD), recoloca em pauta a gravidade do tema do curtailment e evidencia as limitações do atual arcabouço jurídico e regulatório. Apesar da relevância do assunto, e da pressão dos geradores renováveis para mitigar prejuízos, as medidas mais recentes do setor não trataram especificamente dessa questão.
A inclusão da MMGD como alternativa para mitigar o curtailment exigiria alterações estruturais na legislação e na regulação. Pela Lei nº 14.300/2022, o consumidor-gerador é caracterizado como titular de unidade consumidora com geração associada, e não como agente de geração centralizada. Esse detalhe é crucial: o ONS tem competência legal para despachar apenas a geração centralizada, enquanto a MMGD é classificada como carga com geração associada. Além disso, os consumidores-geradores não integram a CCEE, o que exigiria a criação de mecanismos complexos para viabilizar ressarcimentos similares aos aplicados às usinas centralizadas, como o Encargo de Serviços do Sistema (ESS).
No âmbito regulatório, a única iniciativa em andamento é a Consulta Pública nº 45/2019, atualmente em sua terceira fase, que trata exclusivamente de usinas centralizadas despachadas pelo ONS. Não há previsão de inclusão da MMGD nesse processo, o que reforça a ausência de uma discussão estruturada sobre o tema. A não ser que se amplie o escopo da consulta ou se crie um processo regulatório específico, não existem medidas concretas em curso para endereçar essa questão.
Além das barreiras legais e regulatórias, surgem enormes desafios operacionais. Diferentemente das usinas centralizadas, a MMGD está pulverizada em centenas de milhares de unidades conectadas às redes de distribuição em todo o país. Atualmente, não existem sistemas que permitam ao ONS acionar essas unidades de forma coordenada, o que exigiria investimentos em comunicação, medição e controle remoto, além da criação de novos procedimentos em parceria com as distribuidoras. O simples comando de desligamento de milhares de pequenos geradores, com tecnologias, padrões de conexão e localizações distintas, seria uma tarefa de altíssima complexidade e poderia inclusive comprometer a confiabilidade das redes de distribuição.
Uma alternativa em discussão é a criação de “cortes virtuais”, reduzindo o volume de energia compensada nas unidades consumidoras para aumentar artificialmente a demanda a ser suprida pela geração centralizada. No entanto, como o consumidor-gerador não é agente da CCEE, os mecanismos de compensação exigiriam regras sofisticadas para definir os cortes, alocar recursos e viabilizar repasses a outros geradores. Isso implicaria a elaboração de balanços energéticos simulados e instrumentos específicos de ressarcimento, seja pela adaptação do ESS ou pela criação de novo encargo — reforçando a necessidade de mudanças legislativas.