Novos encargos para geração intermitente

Novos encargos para geração intermitente

Carlos Schoeps

A Lei de Conversão da Medida Provisória nº 1.304/2025 introduziu, por meio do Artigo 8º-A, uma nova obrigação para empreendimentos de geração de energia que solicitarem acesso aos sistemas de transmissão ou distribuição após a sua publicação. O dispositivo busca alinhar a expansão das fontes renováveis e intermitentes, como solar e eólica, à confiabilidade do sistema elétrico nacional, transferindo parte dos custos de segurança energética aos novos agentes de geração que venham a se conectar à rede.

Esse regulamento estabelece que todo novo empreendimento de geração, incluindo minigeração distribuída, tanto em autoconsumo local quanto remoto, e autoprodução de energia, deverá contribuir financeiramente para o custeio da reserva de capacidade do sistema elétrico nacional. Essa reserva é a potência firme contratada para assegurar o suprimento energético nos períodos de baixa geração renovável. Até então, esse encargo era custeado pelos consumidores, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e pelo Encargo de Reserva de Capacidade (ERCAP).

Impactos diretos sobre os projetos de geração

A nova regra não afeta projetos de geração já conectados ou protocolados antes da publicação da lei. Novos pedidos de acesso à rede feitos após a vigência da norma passam a ser abrangidos, principalmente para usinas solares, eólicas ou híbridas de pequeno e médio porte, conectadas em baixa ou alta tensão.

O valor do custeio será proporcional à energia gerada, conforme critérios que ainda serão definidos pela ANEEL. Esse custo adicional tende a impactar a estrutura econômica dos novos projetos de geração (centralizada e GD), exigindo reavaliações da viabilidade econômica.

Encargo temporário e responsabilidade energética

O Art. 8º-A introduz o conceito de encargo temporário até que o gerador cumpra os requisitos do § 2º do art. 9º da Lei nº 9.648/1998, que tratam da comprovação de capacidade técnica, econômica e jurídica. Essa exigência tem dois objetivos centrais:

· Financiar custos sistêmicos: enquanto o gerador não comprovar integração plena ao sistema, com controle de tensão, previsibilidade e estabilidade operativa, o sistema elétrico precisa manter potência firme adicional para compensar a intermitência da geração. O encargo, portanto, funciona como compensação financeira pelo risco que o gerador impõe ao sistema.

· Incentivo regulatório: ao condicionar o fim do encargo ao atendimento dos requisitos legais, o dispositivo estimula a adoção de soluções tecnológicas que aumentem a confiabilidade da geração, como armazenamento de energia, controle inteligente de carga, despacho remoto para otimização do uso da rede.

Em termos conceituais, essa abordagem antecipa o modelo internacional de “responsabilidade pela confiabilidade”, já utilizado na Califórnia, na União Europeia e em mercados asiáticos. Nesses modelos, cada gerador intermitente deve comprovar lastro físico ou contratual de potência equivalente à sua injeção média, assegurando previsibilidade ao sistema elétrico.

Embora o Art. 8º-A não mencione diretamente o termo “armazenamento”, há uma clara conexão entre o encargo e uma tendência regulatória que vincula a autorização de geração distribuída à instalação de sistemas de baterias. Essa relação se manifesta de três formas:

· A própria MP 1.304/2025 estabelece quatro níveis de armazenamento: centralizado, em subestação, em rede de baixa tensão e na GD, sinalizando que o armazenamento será parte integrante da operação elétrica.

· O encargo temporário pode funcionar como um “custo-contingencial”: o gerador paga enquanto não dispõe de mecanismos próprios de flexibilidade (como baterias), e deixa de pagar ao adotar tais soluções.

· A medida é coerente com práticas internacionais, em que reguladores impõem tarifas de capacidade para fontes intermitentes sem armazenamento e isenta os agentes que investem em tecnologias de flexibilidade e estabilidade de rede.

Conclusão

O encargo temporário criado pelo Art. 8º-A não é apenas uma medida financeira, mas um instrumento de transição regulatória. Ele corrige distorções do modelo atual, em que a intermitência das fontes renováveis é absorvida pelo sistema sem contrapartida técnica, e atua como sinal econômico para a adoção de tecnologias de suporte à rede, como armazenamento, controle inteligente e automação.

O dispositivo antecipa uma nova etapa do mercado brasileiro, onde gerar energia não será suficiente: será preciso garantir confiabilidade, estabilidade e previsibilidade operativa. Essa mudança representa um marco na integração da geração intermitente à transição energética digital, combinando energia renovável, armazenamento e inteligência artificial como pilares da nova arquitetura do setor elétrico nacional.

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