Linhão RN–PR de 2,5 mil km vai aumentar a conta de luz
Carlos Schoeps
O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou a conclusão do estudo para um linhão de transmissão de 2,5 mil quilômetros ligando o Rio Grande do Norte ao Paraná. O projeto, que poderá ser licitado em futuros leilões, é apresentado como solução “estrutural” para o Sistema Interligado Nacional (SIN), com a promessa de reforçar a integração de renováveis, aumentar a flexibilidade operativa e reduzir o risco de blecautes.
Trata-se de uma obra tecnicamente sofisticada, mas com elevado potencial de aumentar significativamente o custo de transmissão de energia e a conta de luz dos consumidores, sem atacar de forma efetiva o problema que hoje aflige as geradoras eólicas e solares: o curtailment crescente e a falta de flexibilidade do sistema.
De acordo com o MME, o novo eixo de transmissão será o primeiro sistema em tecnologia VSC (Voltage Source Converter) de longa distância no país. A proposta é vender o projeto como um marco de modernização da rede, com três grandes promessas: “Integração segura” de grandes volumes de energia renovável do Norte e Nordeste; Expansão da capacidade de exportação do Nordeste dos atuais 13 GW para 24 GW até 2035; Viabilização de até 60 GW de potência instalada em geração eólica e solar nessas regiões nos próximos dez anos.
Essa narrativa ganha ainda mais apelo em um cenário em que o Brasil convive com episódios de quase apagão e um histórico recente de blecaute nacional, em que o Operador Nacional do Sistema (ONS) passou a utilizar o curtailment de renováveis como instrumento para preservar a estabilidade da rede.
Uma solução cara que recai sobre o consumidor
Sob a ótica tarifária, o linhão RN–PR tende a se transformar em mais um vetor de aumento estrutural da conta de luz, tanto para consumidores cativos quanto livres.
Projetos dessa escala, em corrente contínua e com conversores VSC, têm investimentos elevados que são integralmente remunerados via RAP (Receita Anual Permitida) e repassados às tarifas por décadas. Em outras palavras, o consumidor – residencial, comercial e industrial – é quem paga integralmente a conta da “integração segura” e da “flexibilidade adicional”.
Em um ambiente já pressionado por encargos setoriais, subsídios cruzados e custos de segurança energética, a inclusão de uma linha de 2,5 mil quilômetros na base de remuneração de transmissão tende a empurrar as tarifas para cima, com impactos relevantes nos custos de produção da indústria e na competitividade das empresas intensivas em energia.
O problema das geradoras não é só “falta de linhão”
É inegável que o Nordeste concentra grande parte da geração eólica e solar do país, cuja operação é intermitente e depende da disponibilidade de vento e sol. Desde o blecaute de agosto de 2023, o ONS passou a aplicar cortes de geração – o já famoso curtailment – para evitar o desequilíbrio entre oferta e demanda e afastar novos blecautes.
O risco é claro: levar mais energia intermitente para o Sul/Sudeste sem garantir fontes flexíveis, armazenamento e resposta da demanda significa apenas deslocar o problema de lugar. O curtailment pode “mudar de CEP”, mas não desaparece.
Desde 2023, o país convive com um paradoxo: ao mesmo tempo que expande vigorosamente a capacidade instalada de eólica e solar, também aumenta o curtailment e, em 2025, chegou a flertar com novos blecautes nacionais em pelo menos duas ocasiões, em abril e em agosto.
Do ponto de vista técnico, o equilíbrio do sistema exige que geração e consumo estejam alinhados quase em tempo real. Quando há excesso de geração frente à demanda, ou quando a rede não consegue escoar a energia produzida, o operador é obrigado a cortar usinas ou acionar fontes mais caras e controláveis para estabilizar o sistema.
Em última instância, o consumidor precisa se preparar para um cenário em que a conta de luz segue em alta, enquanto a volatilidade operacional e regulatória permanece elevada.