Impactos do Relatório de Conversão da MP 1.304/2025 sobre a GD
Carlos Schoeps
Em 30/10/2025, Câmara e Senado aprovaram a MP 1.304/2025, que agora segue à sanção presidencial. O texto reorganiza regras do setor elétrico, cria limites para a CDE e introduz medidas que afetam diretamente a micro e minigeração distribuída (Lei 14.300/2022). Portal da Câmara dos Deputados
Este documento apresenta um resumo dos principais pontos que afetam os projetos de geração distribuída e alguns comentários.
- CDE passa a prever recursos para a GD
A lei que rege a CDE (Lei 10.438/2002) passa a prever recursos para compensar benefícios tarifários associados ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica, prevista na Lei 14.300/2022.
Impactos
A CDE-GD registra apenas uma parte dos subsídios para a GD. O orçamento da CDE 2025 preve um montante de R$ 5,4 bilhões para a rubrica CDE-GD e que é paga integralmente pelos consumidores do mercado regulado. No entanto, a ANEEL mostra no Subsidiômetro que o custo total dos benefícios da GD supera R$ 12 bi até outubro. ). Ou seja, uma parte do subsídio aparece como CDE-GD e outra parte está embutida nas tarifas via mecanismos de neutralidade e estrutura tarifária.
Ao explicitar a GD na CDE e criar regras de teto e cobertura, existe o risco regulatório de que uma fatia maior, ou mesmo todos os custos da GD, passe a ser alocada na CDE, aumentando a transparência do benefício total percebido pelos agentes de GD, mas também concentra o encargo numa rubrica visível, objeto de questionamentos pelo seu crescimento anual. Isso pode gerar maior pressão para a diminuição dos benefícios desses agentes.
Outro efeito é o rateio desse subsídio por todos os consumidores, diminuindo a tarifa dos consumidores do mercado regulado (reduzindo sua vantagem) e aumentando os custos dos consumidores livres. A regulamentação da lei mostrará os efetivos impactos dessa medida.
Na situação atual, o impacto médio da CDE-GD será de aproximadamente R$ 16/MWh para os consumidores do ACR, considerando a ampliação da potência instalada da geração distribuída e os acréscimos tarifários que serão incorridos. Com a universalização do pagamento, todos os consumidores passarão a pagar cerca de R$ 10/MWh, implicando em uma redução de R$ 6/ MWh nas tarifas dos consumidores cativos e um acréscimo de cerca de R$ 10,00/MWh para os livres.
A Lei de conversão da MP 1.304/2025 altera a Lei 10.438/2002 para explicitar recursos voltados a compensar os benefícios do sistema de compensação da Lei 14.300, abrindo espaço para reorganizar a alocação desses custos, cuja implementação dependerá de regulamentação posterior (ANEEL/MME) acerca de quotas, bases de rateio, prazos e eventuais tetos.
- Teto orçamentário da CDE e Encargo de Complemento de Recursos (ECR)
A MP estabelece um teto anual para despesas da CDE e cria o ECR para cobrir eventuais excessos. A diretriz é alocar o excesso aos beneficiários diretos daquela rubrica. Se uma despesa (ex.: CDE-GD) estourar o teto, a diferença não se espalha automaticamente por toda a base de consumidores via CDE.
ECR (sobretaxa de complementação): quando há estouro, cria-se um encargo específico direcionado aos beneficiários não sociais daquela rubrica. Ou seja: quem se beneficia do programa que estourou o teto tende a pagar a diferença (ou parte relevante dela), em vez de socializar o excesso com todos.
Impactos para os projetos de GD
Em caso de “estouro” da subconta ligada à GD, a tendência é ratear a diferença dentro do próprio segmento beneficiado, e não no conjunto de todos os consumidores. Isso exige atenção às projeções de custo regulatório de projetos de GD.
Se a rubrica CDE-GD estourar o teto, o ECR pode incluir um custo adicional na fatura da usina e capturar parte do benefício econômico que hoje se materializa como energia compensada. Isso pode reduzir a margem líquida do projeto. Outro risco é também parte do ECR incidir na fatura da unidade consumidora beneficiada, aumentando seus custos.
Projetos de GD remota que vendem “desconto garantido” tendem a ser afetados tanto no lado da geração como no do consumo, com o risco do ECR incidir nas duas pontas – na geração e no consumo. Isso pode resultar em ajustes contratuais ou renegociações do desconto, a depender de haver clausulas de reequlibrio econômico no caso de alterações legais.
O teto transforma uma despesa “elástica” (CDE) em orçamento rígido: quando a demanda/adesão cresce, o excedente vira ECR. Na prática, isso introduz volatilidade anual: um projeto pode fechar o business case “sem ECR”, mas operar “com ECR” no ano seguinte.
Configurações com autoconsumo local também devem ser afetados se a régua do ECR incidir sobre a energia exportada e depois compensada. Arranjos com elevado volume de compensação ficam mais expostos.
Considerando que continuará a haver expansão da GD em 2026 e admitindo que 100% do custo adicional de CDE-GD será coberto pelo ECR e suportado por consumidores e geradores de GD, o impacto será de um custo adicional de aproximadamente R$ 2/MWh para as unidades consumidoras e outros R$ 2/MWh para as usinas.
- Armazenamento (baterias/BESS) reconhecido e com incentivos
O Art. 8º-A (incluído na Lei 9.074/1995) estabelece que todo empreendimento de geração que solicitar acesso à transmissão ou à distribuição após a publicação da nova Lei deverá custear a contratação de reserva de capacidade (arts. 3º e 3º-A da Lei 10.848/2004) na proporção da energia gerada, enquanto não cumprir os requisitos do §2º do art. 9º da Lei 9.648/1998 (lastro/garantias etc.).
O Art. 3º-A (Lei 10.848/2004) define que os custos da reserva de capacidade (inclusive energia de reserva, administrativos, financeiros e tributos) serão rateados entre todos os usuários finais do SIN; entram também autoprodutores (na parcela ligada à interligação) e “os geradores de energia nos casos previstos na legislação”. O §3º confirma que o encargo pode ser cobrado na proporção do consumo e da geração “nos casos previstos”.
O Art. 3º-A, §6º estabelece que “no caso de sistemas de armazenamento de energia, na forma de baterias, os custos da contratação serão rateados apenas entre os geradores de energia. Ou seja, em leilões de capacidade de BESS, o custo fica no lado gerador, não nos consumidores. O texto também manda a Aneel criar mecanismos de compartilhamento de riscos para hidrelétricas, eólicas e solares, quando houver restrições operativas sistêmicas (curtailment, etc.).
Impactos para os geradores de GD
O Art. 8º-A é redigido de forma abrangente “empreendimentos de geração” com acesso à transmissão e à distribuição. Portanto, novos projetos de GD serão chamados a custear o ERCAP enquanto não atenderem integralmente aos requisitos de lastro/segurança previstos em lei/regulação. A Aneel detalhará como medir a “proporção da energia gerada” e a base de incidência.
Se o poder concedente contratar reserva de capacidade na forma de baterias, o §6º do art. 3º-A desloca 100% do custo para os geradores, excluindo consumidores. Na prática, eólicas e solares que precisem de flexibilidade para firmar entrega ou reduzir cortes terão incentivo a internalizar BESS — e ônus se a solução vier por leilão sistêmico, pois o rateio recairá sobre o conjunto de geradores.
Este conjunto dos artigos rompe a lógica de pagamentos somente pelos consumidores: geradores passam a financiar a segurança de suprimento (ERCAP). Nos casos de baterias, assumem integralmente o custo dos leilões de capacidade.
O PLV deixa expresso que (i) novos geradores podem pagar ERCAP proporcional até cumprirem requisitos de lastro/segurança; (ii) em leilões de capacidade de baterias, o encargo é exclusivo dos geradores; e (iii) a Aneel terá de regulamentar a métrica e a cobrança, mas a direção é mais responsabilidade do lado da geração (inclusive GD), com incentivo forte para armazenamento próprio.
Se o ERCAP referente a 1.000 MW de baterias que se estima serem leiloados em 2026, for integralmente custeado apenas pelas novas usinas intermitentes que entrarem em operação em 2026, a cobrança implicará um encargo adicional na ordem de R$ 2/kW-mês a R$ 4/kW-mês para esses geradores, inclusive os de geração distribuída. Esse custo será devido a partir do momento que as instalações de bateria entrarem em operação, refletindo a socialização do custo de capacidade exclusivamente dentro do grupo que efetivamente demanda flexibilidade para firmar entrega e mitigar cortes.