Curtailment: desafios e soluções para o setor elétrico no Brasil
O curtailment — termo que designa a redução forçada na geração de energia elétrica devido a limitações na infraestrutura de transmissão ou desequilíbrios entre oferta e demanda — tem se tornado um desafio crescente no setor elétrico brasileiro. Este fenômeno afeta especialmente as fontes renováveis, como a energia eólica e solar, resultando em perdas financeiras significativas para os investidores e comprometendo a eficiência do sistema elétrico nacional.
O que é curtailment?
Curtailment refere-se à limitação imposta à geração de energia elétrica, mesmo quando as usinas estão aptas a produzir. Essa restrição ocorre, principalmente, devido a:
- Limitações na infraestrutura de transmissão: Capacidade insuficiente para escoar a energia gerada até os centros de consumo.
- Desequilíbrio entre oferta e demanda: Situações em que a produção de energia excede o consumo, levando à necessidade de cortes para manter a estabilidade do sistema.
- Segurança energética: Situações em que há necessidade de cortar a produção de energia para assegurar o equilíbrio dos sistemas elétricos e evitar o colapso em sua distribuição.
Essas restrições impactam diretamente a viabilidade econômica dos projetos de geração, especialmente os de fontes renováveis.
Contexto brasileiro: o papel da infraestrutura de transmissão
Historicamente, o Brasil possui uma matriz energética diversificada, com predominância de usinas hidrelétricas localizadas em regiões distantes dos principais centros consumidores. Essa configuração exigiu a construção de extensas linhas de transmissão para conectar a geração ao consumo.
Nessa configuração o prazo de construção de usinas hidrelétricas, em sua grande maioria, é bem superior ao de viabilizar as estruturas de transmissão de energia para interligação com os centros consumidores. Essa realidade fez com que, no passado, não houvesse problemas significativos de restrição de linhas de transmissão, ocorrendo em situações muito pontuais.
No entanto, o crescimento acelerado de fontes renováveis, como parques eólicos e solares, especialmente no Nordeste, evidenciou o descompasso entre os prazos de construção das usinas e da infraestrutura de transmissão. Apenas como referência, uma usina fotovoltaica de centenas de MW de capacidade pode ser construída em um prazo de 2 a 3 anos.
Já as linhas de transmissão, dependendo de sua distância ao ponto de conexão, pode levar até 5 anos desde seu planejamento, leilão para escolha do empreendedor e sua efetiva implantação. Levando ainda em conta os desafios para as aprovações ambientais, esse prazo pode até ser maior.
Em 2024, por exemplo, curtailment no Brasil atingiu níveis significativos, especialmente para fontes renováveis como eólica e solar. Durante o período de julho a outubro, mais de 22.000 GWh de energia foram descartados. Em dezembro, os cortes representaram 9,5% da geração total eólica e 17,8% da solar, indicando um aumento em relação aos meses anteriores.
Esses números refletem os desafios de integrar fontes renováveis ao sistema elétrico, devido a limitações na infraestrutura de transmissão e à sobreoferta de energia em determinados momentos.
As perdas financeiras estimadas devido ao curtailment chegaram a R$ 1,7 bilhão, afetando significativamente os investidores do setor.

Geração distribuída: vilã ou solução?
A Geração Distribuída (GD) consiste na produção de energia elétrica próxima aos pontos de consumo, utilizando fontes renováveis, como sistemas fotovoltaicos em residências e empresas. Embora a GD tenha crescido significativamente no Brasil — com um aumento de 40% em 2024 em comparação ao ano anterior —, há debates sobre seu impacto no sistema elétrico.
Por produzir energia próxima ao ponto de consumo, a GD reduz as perdas elétricas do sistema, por evitar a necessidade de, em certos períodos, evitar a geração de energia em locais distantes do consumo. No entanto, exigem investimentos crescentes em linhas de transmissão para transportar energia para os consumidores nos momentos em que a geração intermitente não acontece (como, por exemplo, a noite).
No entanto, o crescimento acelerado da GD, sem uma regulação adequada, pode criar desafios para o planejamento do sistema elétrico. A falta de controle sobre os ativos da GD pode dificultar a integração eficiente com o Sistema Interligado Nacional (SIN), especialmente em momentos de sobreoferta de energia. Ainda assim, os cortes de geração ocorrem principalmente em grandes parques solares e eólicos conectados ao SIN, devido às dificuldades técnicas em desligar as usinas de pequeno porte.
Os impactos da GD no curtailment são diretos e relacionados à sua rápida expansão, sem conexão com o planejamento de implantação das usinas de maior porte. A GD, quando tiver sua implementação e comando de operação integrados com as usinas de maior porte, pode contribuir para minimizar custos para os consumidores.
Quais são as causas do curtailment?
As principais causas do curtailment no Brasil incluem:
- Descasamento da implantação de usinas e expansão das redes de transmissão: A implantação de usinas renováveis enfrenta menores obstáculos – físicos e legais – do que os enfrentados para a construção das estruturas de transmissão de energia.
- Decisões locacionais dos investidores: Implantação de usinas em áreas com infraestrutura limitada de transmissão.
- Crescimento acelerado das fontes renováveis: A expansão rápida da geração eólica e solar não acompanhada pelo desenvolvimento correspondente da infraestrutura de transmissão.
- Limitações regionais de exportação de energia: Regiões com alta produção e baixa demanda local enfrentam dificuldades para exportar o excedente energético.
Soluções possíveis para o setor
Para mitigar os impactos do curtailment, são sugeridas as seguintes medidas:
- Aprimoramento no planejamento da expansão da geração: Considerar a penetração da GD e alinhar os investimentos em geração e transmissão.
- Revisão das políticas públicas de incentivo às fontes renováveis: Garantir que os incentivos considerem a capacidade real de integração ao sistema elétrico.
- Adoção de tecnologias de armazenamento de energia: Implementar sistemas que permitam armazenar o excedente de produção para uso em momentos de alta demanda.
- Desenvolvimento de redes inteligentes (smart grids): Utilizar tecnologias avançadas para melhorar a gestão e distribuição da energia gerada.
A implementação dessas soluções requer a colaboração entre governo, empresas e sociedade, visando a construção de um setor elétrico mais resiliente e eficiente.