Apagão: Lições a serem acompanhadas de perto

Apagão: Lições a serem acompanhadas de perto

O recente apagão em Portugal e Espanha expôs o quanto a energia elétrica é vital para o funcionamento de um país. Em questão de segundos, atividades econômicas e sociais foram paralisadas, revelando que a segurança energética ainda é tratada de forma insuficiente mesmo em nações com sistemas avançados. O episódio deve servir como um alerta claro também para o Brasil.

A perda súbita de 15 gigawatts na interconexão com a França desencadeou desligamentos em cascata e mostrou como falhas aparentemente pontuais podem se espalhar de forma devastadora. Não se trata apenas de um acidente técnico: é a prova de que os sistemas elétricos modernos, cada vez mais complexos e integrados, também se tornam mais vulneráveis. Ignorar esse fato seria um erro estratégico.

No Brasil, a matriz elétrica vem mudando rapidamente, e o avanço das renováveis variáveis — solar e eólica — aumenta os riscos de desequilíbrios sistêmicos. A segurança energética é uma prioridade de política nacional. Os sinais de fragilidade já são claros. No último Dia dos Pais, a oferta de renováveis quase superou a demanda, criando risco real de instabilidade generalizada, que somente foi evitado por ter sido possível desligar a maior parte das usinas despacháveis. Se a oferta de energia superar o consumo, os dispositivos de segurança serão acionados, desligando em cascata as usinas geradoras.

O inverso também estamos enfrentando, quando a geração pode não crescer em velocidade suficiente para atender o consumo. Isso ocorre ao final do dia, quando a produção solar cai abruptamente ao mesmo tempo em que a demanda sobe. São cenários previsíveis e conhecidos, mas ainda tratados de forma reativa.

Desde o apagão de 1984, reforçamos nossa malha de transmissão e ampliamos os estudos elétricos. No entanto, confiar apenas nas soluções do passado é um erro perigoso. O sistema que tínhamos há 40 anos era hidrelétrico e centralizado; o sistema que temos hoje é cada vez mais descentralizado e intermitente. A lógica de operação mudou, mas nossas estratégias ainda não acompanharam esse ritmo.

Por isso, não basta apenas reforçar linhas ou estudar vulnerabilidades. É preciso adotar mecanismos de flexibilidade reais, como armazenamento de energia, reservas de capacidade e maior integração entre regiões, de forma a diminuir os risco de enfrentar

episódios de instabilidade que, em um momento crítico, podem escalar para apagões de grande porte.

A criação de um operador de recursos energéticos distribuídos é uma proposta que merece destaque. Esse ator teria a responsabilidade de organizar e coordenar a operação de geração descentralizada, baterias e veículos elétricos. Hoje, esses ativos são vistos como peças soltas, mas, com coordenação, podem se transformar em recursos valiosos para a estabilidade do sistema.

Esse novo operador seria, de fato, um elo estratégico entre consumidores e o Operador Nacional do Sistema. Ao integrar e gerenciar os recursos distribuídos, poderia reduzir sobrecargas, evitar quedas bruscas de tensão e transformar a descentralização em vantagem competitiva. Sem essa visão de conjunto, corremos o risco de transformar nossa diversidade de fontes energéticas em vulnerabilidade.

Os riscos dessa nova configuração da matriz energética são claros. Eventos em outros países mostram a dimensão dos problemas que podem recair sobre nossa sociedade. A pergunta que precisamos fazer é simples: queremos continuar apenas reagindo a crises ou vamos investir para evitá-las? A resposta deveria ser óbvia.

Não há alternativa senão investir pesado em usinas que sejam despacháveis, com capacidade de entrar e sair de operação rapidamente, modernizar e digitalizar as redes de transmissão e distribuição, inserir sistemas de armazenamento e regulação adequada. O setor elétrico precisa sair da inércia e reconhecer que os riscos são reais. Do contrário, continuaremos discutindo apagões passados enquanto nos preparamos mal para os apagões futuros.

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