Regras para implantação do armazenamento
Carlos Schoeps
A nova lei de reserva de capacidade do setor elétrico brasileiro concentra no Poder Concedente (MME) a decisão sobre quanto e onde o país vai contratar reserva de capacidade e ao determinar que essa contratação seja obrigatória todos os anos, conforme a necessidade apontada no planejamento energético.
Na prática, o governo passa a definir não apenas a quantidade de potência, flexibilidade ou energia de reserva que o SIN precisa para garantir segurança de suprimento, mas também quais empreendimentos novos e existentes serão referência nos leilões. Isso aumenta a previsibilidade do sistema e reduz o risco de falta de energia, mas também cria um mecanismo permanente de compra de capacidade, que tende a se transformar em encargo estrutural na conta de luz.
O art. 3º deixa claro que caberá ao MME homologar a quantidade de energia elétrica ou reserva de capacidade necessária para atender ao mercado nacional e indicar os projetos que poderão participar dos certames. Já o art. 3º-A estabelece que todos os custos dessa contratação, inclusive custos administrativos, financeiros e tributários, serão rateados entre todos os usuários do SIN, incluindo consumidores do mercado livre (arts. 15 e 16 da Lei 9.074), consumidores conectados na forma do §5º do art. 26 da Lei 9.427 e até autoprodutores, ainda que estes paguem apenas na parcela de energia efetivamente utilizada do sistema interligado. Em outras palavras, se o sistema elétrico precisa manter uma “reserva de segurança”, todos que estão conectados ao SIN deve participar do pagamento.
O §3º define o critério básico de cobrança: o encargo será calculado na proporção do consumo de energia elétrica e, nos casos previstos em lei, também na proporção da geração. Isso abre espaço para incluir na conta agentes que injetam e utilizam o SIN sem necessariamente serem consumidores cativos. Já o §5º dá um passo além e autoriza o Poder Concedente a adotar um rateio por perfil de carga. Ou seja, não basta olhar apenas o quanto o agente consome, mas como consome: quem puxa carga em horário crítico, de ponta ou com grande variabilidade pode pagar mais; quem tem carga mais plana e previsível pode pagar menos. Esse é um movimento positivo do ponto de vista de sinal econômico, porque aproxima o encargo de uma lógica de “quem gera a necessidade de ter reserva, paga mais”, mas também pode elevar o custo de setores industriais e comerciais com forte coincidência de carga.
O §6º trata de uma situação específica e relevante para a modernização do sistema: quando a reserva de capacidade for contratada na forma de sistemas de armazenamento em baterias, o custo será rateado apenas entre os geradores, conforme regulamentação da Aneel. A leitura aqui é dupla. De um lado, o legislador evita jogar imediatamente na conta do consumidor uma tecnologia ainda em maturação; de outro, induz os próprios geradores a internalizar o custo da flexibilidade de que precisam para escoar sua energia em redes congestionadas ou em sistemas com muita renovável variável. Indiretamente, isso também funciona como incentivo para que novos projetos já venham com armazenamento acoplado.
Do ponto de vista crítico, o novo instrumento legal é coerente com a necessidade de segurança energética de um sistema cada vez mais dependente de eólica e solar e com o modelo de encargo de potência já discutido na Aneel e no âmbito do ERCAP. Porém, ele também universaliza o custo: sempre que o planejamento apontar que o país precisa de mais capacidade, todo mundo que está no SIN vai pagar alguma coisa, esteja no ACR, no ACL ou como autoprodutor parcialmente conectado. Isso reduz assimetrias entre consumidores, mas aumenta a pressão tarifária, porque amplia o conjunto de itens que entram no “bolo dos encargos setoriais”. Em resumo: melhora a previsibilidade e a governança do sistema, mas não ataca o problema central da conta de luz, que é o acúmulo de políticas públicas e custos sistêmicos na fatura.