Transição energética x expansão da transmissão de energia
A expansão acelerada das fontes renováveis, como a hidrelétrica e as intermitentes — solar e eólica — costuma ser apresentada como um avanço sustentável, mas a realidade por trás desse movimento é mais complexa. Como a maior parte dessas fontes se localiza em áreas distantes dos centros de carga, torna-se necessário construir extensas linhas de transmissão, subestações e sistemas de reforço, de modo a permitir que a energia gerada chegue ao consumidor. O efeito direto dessa estratégia são custos repassados à população por meio das tarifas de uso das redes de energia elétrica.
Mesmo a geração distribuída, que se instala nos centros de carga, não elimina o problema. Isso porque a quase totalidade das unidades é composta por sistemas fotovoltaicos, cuja geração é limitada às horas de sol. Para atender ao mercado no período da noite ou ao final do dia, quando a solar já não produz, é preciso recorrer a outras usinas complementares. Dessa forma, apesar de fisicamente próxima do consumo, a geração distribuída necessita de investimentos na infraestrutura elétrica para que o consumidor possa ser atendido.
Assim, para que a energia chegue às áreas de maior consumo, são necessários investimentos em linhas de transmissão longas, muitas vezes de alta complexidade tecnológica e elevado custo. Além disso, para que o sistema possa consumir com segurança essa energia intermitente, é preciso realizar reforços adicionais que garantam confiabilidade, o que aumenta ainda mais a pressão sobre as tarifas pagas pelos consumidores.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem alertado para o risco de sobrecarga em 11 estados brasileiros, cenário que pode levar a apagões caso a expansão da transmissão não aconteça. O Plano de Outorgas de Transmissão de 2025 prevê a 36 novas expansões e reforços em 28 obras voltadas às distribuidoras, além de interligações estratégicas nas regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste, para evitar desequilíbrio entre oferta e infraestrutura.
Esse desafio não é exclusivo do Brasil. Na Alemanha, por exemplo, os grandes parques eólicos do norte precisam enviar eletricidade para o sul industrializado, o que levou à construção de corredores de transmissão como o SuedLink e o SuedOstLink. Esses investimentos já se refletem em tarifas, que estão entre as mais caras da Europa. No Reino Unido, a concentração da geração eólica offshore no Mar do Norte e na Escócia gera gargalos semelhantes, elevando os custos
operacionais da rede. Nos Estados Unidos, o Texas precisou investir cerca de US$ 7 bilhões para conectar as usinas eólicas do oeste aos centros de consumo, valor embutido nas contas de energia. A Austrália segue pelo mesmo caminho, com previsão de desembolsar cerca de 12 bilhões de dólares australianos em novas linhas de transmissão na próxima década para integrar projetos solares e eólicos.
No caso brasileiro, os encargos de transmissão representam em torno de 10% da conta de luz. De acordo com o ONS, os investimentos necessários em transmissão até 2034 devem alcançar R$ 128,6 bilhões em 30 mil quilômetros de novas linhas, montante que será diluído nas contas de energia de famílias e empresas. Em outras palavras, o “novo normal” tende a ser um cenário de tarifas de uso de redes cada vez mais elevadas.
A busca por maior eficiência no uso dos ativos de transmissão e distribuição tem impulsionado a adoção de soluções inovadoras. Tecnologias como dynamic line rating, sistemas de controle de fluxo e sensores avançados aumentam a capacidade da rede em tempo real, reduzindo a necessidade imediata de grandes reforços. Do lado da geração, o avanço de inversores inteligentes, sistemas de armazenamento e plataformas de agregação oferecem alternativas para mitigar sobrecargas, serviços auxiliares e aumentar a resiliência do sistema.
Modelos de acesso condicional às redes elétricas ou não-firme, podem otimizar o uso de ativos existentes e contribuir para o pagamento dos custos de redes. Os recursos distribuídos ainda carecem de mecanismos robustos de despacho, controle, remuneração e regulamentação. Essas soluções podem permitir postergar investimentos em infraestrutura e maximizar o uso de ativos existentes, trazendo benefícios para os consumidores
Embora a tendência global seja priorizar soluções digitais e contratuais em lugar de obras pesadas de infraestrutura, sua efetiva implementação dependerá de ajustes regulatórios consistentes, da adesão de investidores e da capacidade dos operadores em assegurar a confiabilidade em um sistema cada vez mais descentralizado e sujeito à variabilidade das fontes.
Se nada mudar, o modelo atual continuará favorecendo investidores e grandes geradores renováveis, enquanto os consumidores seguirão arcando com tarifas mais altas e o risco de sobrecarga da rede. Investir na modernização da infraestrutura elétrica é, portanto, indispensável não apenas para integrar novas fontes de energia, mas também para equilibrar custos, garantir confiabilidade e tornar a transição energética mais justa para todos.