Cortes de geração trazem riscos para financiamento de projetos
Nos últimos cinco anos, o setor de geração renovável cresceu rapidamente no Brasil, impulsionado por novas tecnologias e pelo discurso da inovação. Esse boom vem sendo vendido como benéfico para os mais de 90 milhões de consumidores atendidos pelas distribuidoras de energia, mas, na prática, tem atendido prioritariamente aos interesses de grandes investidores institucionais, que já aportaram mais de R$ 220 bilhões no setor. A questão é que esse ritmo de expansão trouxe diversos novos desafios para o sistema elétrico nacional.
O baixo crescimento do mercado consumidor, a expansão acelerada da geração distribuída e limitações na infraestrutura de transmissão tem provocado cortes recorrentes da produção de usinas eólicas e solares — justamente as vitrines da “transição energética brasileira”. Um dos principais bancos financiadores do setor já admite que o problema seguirá comprometendo o retorno dos investimentos até o fim da década, o que acende um alerta evidente: estamos estimulando a construção de usinas que não conseguem produzir sua plena capacidade.
Não por acaso, o setor estima perdas de faturamento próximas a R$ 2 bilhões anuais por conta das restrições operativas impostas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em março, os cortes representaram cerca 12% da geração total dessas fontes e, segundo projeções, podem chegar a 15% entre 2025 e 2029 — podendo passar de 25% em períodos de maior disponibilidade hidráulica.
Os geradores de fontes renováveis vem intensificando sua atuação junto às autoridades governamentais numa tentativa de transferir ou ao menos dividir os prejuízos crescentes causados pelos cortes na geração. Paralelamente, pressionam o Operador Nacional do Sistema (ONS) por flexibilizações técnicas que reduzam os desligamentos forçados, mesmo que isso implique transferir o ônus para outros agentes do setor, como usinas hidrelétricas e termelétricas. Em resumo: buscam evitar que os impactos negativos de uma expansão mal calibrada recaiam sobre seus próprios balanços.
Essa movimentação evidencia não apenas o descompasso entre a oferta renovável e a capacidade do sistema de absorvê-la, mas também uma tentativa de socializar prejuízos privados em nome de um discurso de transição energética. Analistas do setor são claros: soluções pontuais, baseadas em acordos ad hoc ou
acomodações técnicas, não resolverão um problema estrutural que vem sendo ignorado há anos.
É, no mínimo, questionável — para não dizer inaceitável — supor que o consumidor final deva arcar com as perdas das geradoras, especialmente quando tais perdas decorrem de investimentos feitos com base em projeções de mercado que não se realizaram. A expansão acelerada, sem considerar os impactos de outras tecnologias, criou um cenário de sobreoferta expressiva.
A verdadeira saída para esse impasse está em atacar o cerne do problema: o baixo crescimento da demanda por energia. A resposta estratégica deveria vir por meio de uma política industrial robusta, que estimule o consumo qualificado de energia, aumente a produtividade nacional e ofereça sustentação econômica para a inserção estruturada das renováveis. Sem isso, continuaremos empilhando megawatts sem saber onde — e para quem — entregá-los.